sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Os Olhos de Cássie


Na vida precisamos de um plano. Esta é a lição de Cássie (Anna Sophia Robb), uma rara menina de 13 anos em busca da felicidade. Planejando seu futuro junto a Ben (Cayden Boyd) ela definiu metas reais para suas vidas e as perseguiu com objetividade e determinação. Até aqui não há nada além de uma lição de ADM aplicada na gestão estratégica do futuro de uma pessoa. Ou melhor, de duas.

O tocante, no entanto, não é o enredo da história de Cássie ou sua personalidade forte e encantadora, mas o enigmático desenho de seus olhos. Não me refiro apenas ao estético, visual, mas sim ao que eles traduzem para os espectadores de Em busca da felicidade*. E para além disso, me refiro ao que eles, em sua beleza e fascinação, resguardam dentro de si. O filme inteiro está depositado ali, no mistério dos olhos de Cássie.

A busca pela felicidade que Ben e Cássie trilham juntos não pode ser reduzida, em nenhuma hipótese, a um enredo água-com-açúcar. Não pode, sobretudo, devido ao complexo sentimento de culpa e remorso que Cássie suporta por de trás de seus olhos. Toda essa perturbação emocional faz de sua jornada em busca de uma vida feliz uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo que ela segue com rigor o caminho para uma felicidade planejada, dentro de si ela foge, assustada, da tortura que consome sua força e sua alegria. Até não poder mais.

Quando Cássie já não tem saída, eis que surge Ben pra salvá-la de si mesma com seu próprio antídoto para a vida: um plano. Após ser libertado por Cássie de uma vida gélida e sem nem uma pitada de afeto, Ben se vale dos ensinamentos de Cássie para trazê-la de volta do sofrimento que a dominara. Desta vez o plano é absolver-se da culpa. E seguir adiante.

O que motivara Ben, no entanto, foi a insuportável saudade dos olhos de Cássie. Olhos que, apesar de intimidantes, encantadores, fascinantes, o acariciavam com um desconhecido sentimento de amor. Este amor que o surpreendera por fazê-lo descobrir a felicidade ainda durante o caminho que julgava estar percorrendo justamente para encontrar uma vida feliz. Mas só no fim, dizia o plano.


A lição de Cássie é muito importante...conforme ela ensinou a Ben, “na vida precisamos de planos, afinal a vida já é muito louca sem um”. Mas a maior lição de Em busca da felicidade é aquela que Cássie não previra e muito menos enxergara em sua obstinação para cumprir seus planos. A felicidade não está apenas no fim do caminho, mas ao longo de seu percurso. O amor e as relações que cultivamos ao longo da jornada é que fazem, no fim das contas, ela valer a pena. Além do mais, não há plano perfeito que nos leve a uma felicidade completa e, por isso, temos que aprender a ser felizes mesmo com os problemas.




* Para quem quiser mais informações do filme, inclusive assistir o trailer: www.embuscadafelicidade.com.br

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Mas por que não nos reinventar?

Sempre gostei de tango, de como ele envolve, seduz. O som do tango dilata um ambiente de luxúria absolutamente irresistível. Parece que as notas musicais se combinam para formar sons e timbres afrodisíacos, que entram pelos ouvidos e esquentam todas as partes. É estranho, mas o tango parece ser capaz de carregar as pessoas para onde quiser. Paixão, sedução e tesão. Tudo se mistura numa prisão sem saída, porém habitada por liberdade. No tango pode tudo em matéria de amor. O tango é a dramatização da paixão.

Mas por que não reinventar o tango? Colocar nele a voz humana... nada contra, desde que letra e voz convertam para os mesmos propósitos do arranjo: drama, paixão, sedução...loucura. Ainda sim não admitiria quaisquer palavras a contornar a melodia, muito menos qualquer voz a percorrê-la. A letra de um tango não pode jamais abdicar do delírio e da força dramática. No caso da voz, é preciso que ela seja um acúmulo de antíteses musicais. Precisa ser forte e delicada; grande e leve; densa, porém maleável como uma pena solta no ar à mercê de ventos mais fortes ou fracos. Tudo isso ao mesmo tempo. A voz no tango precisa ser capaz de passear por todos os sentidos da paixão, sem esmorecer. Um, dois...


.
TRÊS*

Um
Foi grande o meu amor
Não sei o que me deu
Quem inventou fui eu
Fiz de você meu sol
Da noite primordial
E o mundo fora nós
Se resumia a tédio e pó
Quando em você
Tudo se complicou
.
Dois
Se você quer amar
Não basta um só amor
Não sei como explicar
Um só sempre é demais
Pra seres como nós
Sujeitos a jogar
As fichas todas de uma vez
Sem temer naufragar

.
Não há lugar pra lamúrias
Essas não caem bem
Não há lugar pra calúnias
Mas por que não nos reinventar?
.
Três
Eu quero tudo que há
O mundo e seu amor
Não quero ter que optar
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar
Sem nexo e em qualquer lugar
Com seu sexo junto ao mar


* A canção TRÊS é uma composição dos irmãos Marina Lima e Antônio Cicero.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Pseudo-corno

- Ela me disse que só queria dar um passeio...
- E você acreditou?
- Bem...se eu não acreditar nela de que serviria perguntá-la a respeito?
- Não deveria tê-la perguntado, mas tê-la seguido... fingia que não se interessava e ia atrás, mas com discrição, é claro...
- Se eu fizesse o que você está falando seria ela a ter motivos para desconfiar de mim...eu sim estaria sendo dissimulado, enganador e etc...
- Mas...mas você não entende?! É pro seu bem! Afinal, você quer ou não quer saber se ela trai você?
- Eu quero saber, mas não traindo ela. Não traindo a confiança que ela tem em mim e que ela sabe que eu tenho nela.
- Mas não é a mesma coisa?! Se você está desconfiado é porque você não tem confiança. Você estaria traindo o quê?
- Eu estaria traindo aos olhos dela.Veja bem...eu quero saber se ela está me traindo, mas não posso traí-la para isso. Minha desconfiança é só minha. Se eu transformá-la numa atitude concreta de falta de confiança aí sim ela se transformará numa traição. Por enquanto eu só desconfio...mas não deixo de confiar.
- Você tá ficando louco!
- Você já parou pra pensar na hipótese de não haver nada de errado? E se ela, de fato, não estiver me traindo? Já pensou se ela me pega seguindo-a? Com que cara eu ficaria?
- Com cara de desconfiado!
- Não! Com cara de pseudo-corno!
- Pseudo-corno?
- Sim, pseudo-corno. Além de dar provas a ela de minha traição à confiança que mantemos um no outro, eu ainda estaria me passando por um homem paranóico, inseguro e burro, um pseudo-corno.
- Burro?! Você está me deixando confuso...espera...você acha pior a hipótese de ser flagrado por ela em sua desconfiança do que a possibilidade de, nesse exato momento, você ser um corno de verdade, com todas as ramificações e galhos que têm direito?
- Veja bem...se eu seguir ela eu corro dois riscos: ou eu comprovo que sou corno ou eu passo por pseudo-corno. Por outro lado, eu ficando, a possibilidade de ser corno continua existindo, mas na segunda opção, eu nada sou além de um homem casado que nutre uma relação de fidelidade e confiança com sua mulher.
- Eu desisto...você tem vocação é pra corno-manso...
- Não, eu apenas sou precavido. Prefiro o seguro ao inseguro. Pelo visto você sim é um corno...do tipo “pseudo”, é claro...
- Lá vêm você de novo com essa palhaçada de “pseudo-corno”... isso pra mim é desculpa...você está é com medo de encarar a verdade!
- Você fala de mim, mas cadê a Rosa?
- O quê?! A Rosa está em casa fazendo o almoço!
- Quem te garante?
- Olha...eu vou ligar pra casa agora só pra te provar...alô, Pedrinho? Cadê sua mãe? O quê?! Saiu? Mas ela disse onde foi? Hã? Ela saiu arrumada...a essa hora do dia...sem me avisar nada? Ela também não te falou pra onde estava indo? Ah...ela vai ter que me explicar essa! Tchau, meu filho...
- Pera, pera, pera aí!! Mas aonde você vai?
- Vou atrás da Rosa...ela aproveitou que saí de casa pra...
- Pra quê? A Rosa não é uma santa? Pois ela foi à missa com a Cristina.
- Como assim... você sabia que a Rosa não estaria em casa agora e me fez pensar que...
- Mas qual é o problema... a Rosa não é uma santa?
- Olha aqui... você quer me enlouquecer, é? Isso aí da igreja... é verdade mesmo?
- Claro que é... quer dizer, eu garanto pela Cristina, foi isso que ela me falou...
- Você devia ter vergonha!! Nunca mais fale assim da minha Rosa que ela é direita!
- Quer dizer então que você acha que a Cristina não é direita?
- Nã...bem...eu não quis dizer bem isso. Não exatamente...
- Mas disse.
- Espera aí! Foi você mesmo que me confessou estar desconfiado dela!
- Mas foi você quem a pré-julgou. Eu falei tudo aquilo pra distrair você enquanto a Rosa e a Cristina preparavam sua festa de aniversário surpresa, na semana passada, lembra?
- Lembro, mas....
- Pois é...eu precisava prender você aqui em casa enquanto elas faziam tudo. Por isso pensei naquela história pra distrair sua atenção sem que você desconfiasse de nada.
- Então você... meu Deus! Me desculpe...pela Cristina...
- Pois é... no fim das contas eu não sou corno de jeito nenhum, mas você pra pseudo-corno não falta mais é nada.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

À Procura


Caminho entre as flores. Ao meu redor escuto vozes chamando, mas não vou. Em frete eu me disperso, não consigo concluir os passos. Estou cercado por tudo e por todos que me tocaram. Tudo sofre e me magoa. Choro não pelo drama, mas por uma tristeza simples de sonho perdido. De tudo, é o que me destoa.
.
Fotografia: Matheus Magenta em www.velocidadedoobturador.blogspot.com

domingo, 20 de maio de 2007

Combustível

Me falta o cansaço.
Me sobra o espaço
De seu corpo distante,
Exato e errante,
Pelas horas apartado.

Me resta o sonho amargo
De esperar o olhar caramelo
Carregado de beijos alados
Que saltam desesperados
E se derramam sem elo.

Fora de teu corpo
Tudo é desejo meu
Que te cerca de olhares molhados
De torpor, suspiros calados,
Paridos, sem força, no breu.

Em ti tudo se adoça
Por caminhos de açúcar com leite.
As mãos minhas se tremem sozinhas
Pela boca que me quer a lamber-te.

E se bem que em mim a vida mora,
Mesmo que em ti ela se deposite,
É no meu corpo que se elabora
No canto, no espelho, nas horas

Em que me forjo por afrodites.