domingo, 3 de agosto de 2008

"Não é pelo dinheiro. É pela mensagem"

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Anarquia insana e personalidade debochada fazem do Coringa de Heath Ledger um vilão carismático e hilário.
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Fazendo eco ao que se dizia no mundo inteiro, a edição de julho da revista Super Interessante publicou que o filme Batman - O Cavaleiro das Trevas deveria se chamar Coringa, o Filme. Foi com essa expectativa que encarei a sala de cinema lotada para assistir a última performance do talentoso Heath Ledger, que morreu precocemente em janeiro deste ano, vítima de uma mal sucedida combinação de analgésicos, tranqüilizantes e cia. Assim tem sido dito.

O fato é que não demora muito depois que acabam os trailers para o arquiinimigo do Batman (Christian Bale) tomar as rédeas da trama e fazer jus ao que tem se falado ao longo dos meses que sucederam a morte do ator e antecederam a estréia do filme. Com ironia e muito bom-humor, Coringa consegue transformar o que era para ser mais uma história de super-herói nem boa nem ruim, mas repetitiva em uma comédia sarcástica e de muito bom-gosto. Até o clássico mordomo Alfred, vestido por Michael Caine, passa despercebido.

Crime e anarquia – Na sombra da proposta central do filme de narrar uma crise existencial de Batman com relação à sua condição de herói, Coringa desperta gargalhadas e admiração. O ideal de criminalidade anárquica do vilão é que arrebata o espectador e domina a trama ao querer (e conseguir) instalar o caos, destruir planos e mostrar como as instituições sociais são frágeis por possuírem fraquezas humanas das quais, aliás, ele faz bom uso e muita gozação. Não é à toa que mesmo contra tantos policiais, armas, tecnologias e até o Batman a tiracolo, Coringa consegue pintar e bordar em Gotham City. Parece mesmo que faltou Robin pra dar uma forcinha.

Em algum momento da trama, o vilão queima pilhas de dólares e grita a pérola “não é por dinheiro, é pela mensagem”. A mensagem do Coringa delata uma lógica criminosa instintiva e neurótica, mas que nada tem a ver com ganância ou a ambição capitalista. Coringa gosta de apreciar os pequenos prazeres da vida; matar as pessoas devagar e assistir a transformação pela qual elas passam quando estão próximas da morte. Curiosamente, ele gosta de desenhar sorrisos a facadas em suas bochechas. Crueldade e sarcasmo cozidos com sangue e bom-humor. Só por gozação.

Apesar da loucura, é a lógica mórbida e cômica do Coringa que protagoniza a trama. Quando no desfecho da discussão sobre o quão herói o homem-sem-graça-morcego é, o narrador diz “Batman não é um herói, é um guardião zeloso”. O espectador só pode se atolar em frustração. Afinal, o desequilíbrio do Coringa é bem mais inteligente. E seu discurso, mais convincente: “A única moralidade num mundo cruel é o acaso”.

Culto ao vilão – Conforme muitos já falaram, não restam dúvidas de que é Coringa quem vale o ingresso do cinema. O filme venera de tal forma a classe dos vilões que até mesmo um promotor público de Gotham City, Harvey Dent (vivido por Aaron Eckhart) - que até o meio do filme foi mais herói do que Batman - acaba aderindo ao modelo do vilão anárquico e, com isso, ganha um sarcasmo divertido que não tinha quando defendia o lado da sanidade do bem.
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No fim, o peso do título faz Batman "triunfar", afinal, alguém tinha que parar a diversão do Coringa em algum momento. O filme precisava terminar.
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